365 Dias e Cinquenta Tons de Cinza: Gatilho ou Excitante?

O último lançamento da Netflix, 365 DNS está criando polêmica e opiniões adversas no universo feminino, será que esse tipo de conteúdo gera gatilho para traumas ou excitação?


Hoje eu vim trazer um comparativo sobre esse filme e seu antecessor do mesmo estilo, a trilogia de Cinquenta Tons de Cinza, que fez e ainda faz sucesso entre muitas mulheres. O que faz desses filmes tão parecidos são suas narrativas. E por que muitas mulheres criticam negativamente o conteúdo?

Os filmes, além de objetificar a figura da mulher, romantizam o relacionamento abusivo, supervalorizam o capitalismo e o patriarcado, e não retratam o prazer feminino de maneira realista e sim do ponto de vista falocentrado. O ponto central é que tanto Anna quanto Laura não tiveram escolha para iniciar o relacionamento, Anna foi cercada de todas as maneiras pelo seu stalker insistente, já a Laura, essa foi sequestrada mesmo que é pra ser mais radical.

Um exemplo disso é que, em ambos os filmes, os homens são bonitos, ricos e poderosos, e prometem respeitar o consentimento, mas desrespeitam, minimizando a importância do ato de consentir:

Cinquenta Tons:
- Cristian Grey diz que só vai tocar na Anna depois que ela assinar o contrato, em um determinado momento ele diz:"foda-se o contrato" e já introduz ela em práticas BDSM mesmo sem o tal consentimento por escrito.

365:
- Massimo diz que só vai tocar na Laura quando ela consentir, mas na cena do avião ele a toca nos seios e em sua vulva sem sequer perguntar. Consentimento então é só para o ato sexual? Nós mulheres não devemos consentir antes que alguém nos toque sexualmente?

Alguns trechos particulares me incomodaram pessoalmente, e isso pode acontecer com toda mulher que assistir, os tais gatilhos, mas precisamos aprender a lidar com esses gatilhos individualmente e saber respeitar nosso tempo quando não estamos bem o suficiente para viver essas experiências, seja em um filme, um texto, lugares pessoas.

Cinquenta Tons:
- Ainda no primeiro filme, Cristian trata a virgindade da Anna como um problema. Imagina uma adolescente virgem, começar a acreditar que esta errado ela esperar se sentir pronta e que é melhor ela resolver esse problema logo? Qual a qualidade de vida sexual ela vai ter iniciando assim?

365:
- As cenas de sexo oral no filme são sempre bastante agressivas, onde a mulher é 100% submissa e usada sem que Massimo se importe se ela está ou não gostando da prática.

Então é errado que você assista esses filmes e se sinta excitada?
NÃO, desde que você tenha senso crítico e preparo emocional pra lidar com aquele tipo de conteúdo.

O meu papel aqui não é culpabilizar o que te excita e o que te dá prazer, a construção do processo de excitação é individual e vem de lugares diversos, de experiências de vida, e não cabe a ninguém julgar isso. Desde que não interfira na vida de outras pessoas e que não te gere dor e sofrimento, está tudo bem. Colocar sentimentos de culpa na caixinha da sexualidade vai gerar problemas muito maiores na sua vida, é melhor aceitar que você se excita com uma ficção, que não relata de forma realista a sexualidade feminina, e nem reflete a maneira como você gosta de ser tratada nas suas relações, trata-se apenas das suas fantasias sexuais.

A grande questão não são os filmes, mas a maneira como a gente consome qualquer tipo de dramaturgia, e aqui eu to incluindo também aqueles romances água com açúcar que as mulheres assistem idealizando aqueles relacionamentos perfeitos de "felizes pra sempre". É preciso tratar a ficção como ficção e não como possibilidade de vivência.

O importante é não normalizar as questões problemáticas que são apresentadas, e os próprios filmes deixam isso em pauta em determinados momentos:

Cinquenta Tons:
- Ao longo da trilogia, vamos descobrindo que por trás do radicalismo da sexualidade vivida através do BDSM, existe uma longa história de abuso e violência infantil, além da sua própria iniciação sexual ter sido conduzida por esse caminho.

365:
- A amiga da Laura alerta ela de que ela está vivendo em uma prisão, que apesar de ser uma "gaiola de ouro" continua sendo uma prisão.

Por isso precisamos do senso crítico, pra entender que as relações apresentadas não são normais e não devem ser levadas pro campo da naturalização de violência na vida real. Mas dá pra tirar coisas positivas deste tipo de conteúdo se você levar em conta o lado da fantasia, dá pra brincar com algemas e chicotes, mesmo que você não goste de sentir dor e de ser submissa, dá pra ter uma noite de sexo mais performática, desde que isso não seja uma meta a ser alcançada, desde que não venha carregado de "obrigações" e pressões externas, fantasiar individualmente no seu momento de masturbação ou a dois se isso for de comum acordo, é super saudável e devemos levar isso em conta antes de julgar.

A nossa luta pelo empoderamento feminino deve ir muito mais para o campo de fornecer ferramentas, para que as mulheres possam construir seus sensos críticos, afinal, nós entramos em relacionamentos abusivos muito antes do Cristian Grey e do Massimo, e precisamos aprender com os erros, inclusive os erros das personagens, e aprender a como evitar esse tipo de relação. Também sou a favor de mais filmes que retratem a sexualidade feminina de maneira mais realista e respeitosa, força pras mulheres roteiristas, diretoras, etc, enquanto esse tipo de conteúdo ainda não é o padrão, vamos conviver muito tempo com produções que relatam o ponto de vista masculino, ainda vai demorar alguns anos pra que o machismo seja desconstruído a tal ponto que até os homens vão mudar a forma de nos retratar, enquanto isso não acontece, tenha seu olhar crítico e lembre-se, você não é obrigada a nada e também não merece ser julgada pela maneira como lida com a própria sexualidade.

Com muito amor,
Ilana Rangel

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